Garimpando as provas de concurso recentes da CESPE, nos deparamos com uma questão, no mínimo, interessante, que derrubou muitos candidatos ao cargo de Promotor de Justiça do Espírito Santo, realizado em 2010.
A questão de nº 30 versava sobre curatela. Embora a análise da matéria dependa, indubitavelmente, do entendimento claro das causas incapacitantes dos Arts. 3º e 4º do CC, esse conhecimento não era suficiente para a resolução da questão que derrubou a grande maioria dos candidatos que costumam deixar de lado os últimos assuntos do edital. Vejamos a questão:
“Questão 30: A respeito da curatela, assinale a opção correta.
a) Ao contrário do que ocorre no caso da notória redução da inteligência, não deve ser nomeado curador para as pessoas com pouca instrução escolar.
b) Cabe nomeação de curador ao portador de deficiência física, independentemente da natureza da deficiência.
c) Ainda que a pessoa portadora de lesões de nervos cerebrais possa comunicar-se com sinais convencionados, deve ser nomeado curador para ela.
d) Deve-se nomear um curador para o usuário eventual de substância entorpecente, ainda que a incapacidade seja transitória, pois o ordenamento pátrio não reconhece os intervalos lúcidos.
e) Com vistas a proteger a família do pródigo, deve ser nomeado um curador para ele, fato que, no entanto, não o priva de administrar o seu patrimônio.”
Então concurseiro? Qual letra você marcaria? A maioria dos candidatos errou a questão por ignorar o teor do Art. 1.780 do CC.
A letra “a” está flagrantemente errada, pois afirma que às pessoas menos “inteligentes” deve ser nomeado curador. Nada mais absurdo. A inteligência não foi critério eleito pelo legislador para a aferição da capacidade civil, mas sim o discernimento.
A letra C, Não pode ser considerada correta, pois não serão considerados incapazes aqueles que puderem, por qualquer meio, exprimir validamente sua vontade. Exemplo disso são os surdos mudos que dominam a linguagem de sinais, que os permite a comunicação, tornando-os aptos aos atos da vida civil.
A letra D, também esta errada por contrariar o CC, Art. 1.767, II. Referido artigo exige que a curatela seja utilizada nos casos em que as causas da incapacidade são duradouras. A opção esclarecer que trata-se de um usuário eventual, não preenchendo, portanto, a hipótese do Art.1.767, III.
A letra E, esta duplamente errada. O erro mais gritante, como vocês já devem ter percebido, encontra-se na afirmação de que a curatela do pródigo não o privaria da disposição do seu patrimônio, contrariando o texto do Art. Art. 1.782.: “A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.” E uma análise mais subjetiva da questão, verifica-se que, segundo a doutrina, a intenção do legislador no vigente código civil não foi a proteção da família do pródigo, como ocorria no Código anterior, de 1916, mas a proteção do próprio pródigo.
A letra B, resposta da questão. Ora, sabemos que os critério definidos nos Artigos 3º e 4º do CC utilizam, basicamente, dois critérios: o discernimento e possibilidade de expressão inequívoca da vontade. A partir deste raciocínio, afirmar que uma pessoa cega teria seu discernimento reduzido ou anulado seria absurdo. Contudo, os candidatos que conseguiram estudar todo o programa sabem que de acordo com o Art.1.780: “A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.”
Na doutrina de Maria Berenice Dias:
“Os portadores de necessidades especiais, por recomendação constitucional, vêm recebendo cada vez maior atenção (CF 23 II, 30 II, 227 §§ 1º, II e 2º. e 244). A finalidade da curatela, além de protetiva, é assistencial”
Portanto, correta a questão, podendo ser nomeado curador aos portadores de deficiências físicas, não necessariamente incapacitantes, para facilitar a defesa de seus interesses e direitos.
Material cedido pelo professor auxiliar Felipe Azevedo
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