02/03/2012

Lembra que no começo da semana postamos material sobre Direitos Sociais e que dissemos que ainda esta semana iríamos colocar outra parte do material? Pois bem, chegou a hora. Aqui vai o restante do texto sobre Direitos Sociais. Lembrando que se você perdeu a primeira parte, é melhor ir correndo aqui para lê-la antes.

MÍNIMO EXISTENCIAL

É uma teoria que surgiu no direito alemão (Tribunal Federal Administrativo em 1953). Posteriormente essa teoria foi utilizada pelo Tribunal Constitucional Federal. É uma teoria deduzida a partir de alguns princípios:

a)   Dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88);

b)   Princípio da liberdade material (artigo 5º da CF/88);

c)   Princípio do Estado Social

Conceito: É o conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana digna. O mínimo existencial seria um subgrupo dos direitos sociais. Estes direitos possuem um custo especialmente oneroso e invariavelmente são individualizados. Dirigidos a uma determinada pessoa ou grupo, e não à sociedade.

Quanto mais direitos sociais são formalmente consagrados no texto constitucional, maior é o risco desses direitos consagrados perderem efetividade. O risco é maior em razão do fator custo. Diante dessa contradição, a teoria do mínimo faz sentido. É a preocupação com a efetividade desses direitos, por isso delimitando um grupo mais específico desses direitos. A primeira função do mínimo existencial é de priorizar esse mínimo pelo Estado nas dotações orçamentárias.

Ana Paula de Barcellos tenta estabelecer os parâmetros para o mínimo existencial, elencando alguns direitos. Teríamos três direitos materiais e um instrumental:

1)   Educação básica (artigo 208, I, da CF/88). É uma regra constitucional.

2)   Saúde (STA 178).

3)   Assistência aos desamparados [vestuário, alimentação, abrigo, salário social (LOAS)]

4)   Acesso à justiça.

1º Argumento: Ingo Sarlet e Ana Paula de Barcellos. O mínimo existencial seria uma espécie de regra. Esta regra não poderia ser ponderada com a reserva do possível. O mínimo teria que ser atendido pelo Estado.

2º Argumento: Daniel Sarmento. O mínimo existencial seria mais como um princípio do que uma regra. O mínimo existencial não tem como se sobrepor à reserva do possível. Entre o mínimo existencial e os demais direitos sociais, aquele teria um peso maior em relação a estes. Na prática, significa que o ônus argumentativo do Estado para afastar o mínimo existencial é muito maior do que em relação aos demais direitos sociais.

O STF (RE 482.611/SC – decisão de março de 2010) entendeu de acordo com o primeiro argumento. Não se pode alegar reserva do possível para se afastar o núcleo básico do mínimo existencial.

2. VEDAÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL

Os direitos sociais geralmente são consagrados na forma de princípios. Isso não é um defeito da CF/88. A concretização desses direitos sociais depende de se priorizar quais direitos serão atendidos. A CF/88 consagra esses direitos com textura aberta (princípios), de modo que as leis e as políticas públicas, de acordo com a vontade da maioria, farão a escolha de priorizar os direitos.

Para que o indivíduo possa usufruir desses direitos precisa dessa concretização. Daí, o surgimento da vedação de retrocesso social. Não pode haver um retrocesso na concretização alcançada pelos direitos sociais. A partir do momento da concretização, passa-se a ter status constitucional. A vedação é extraída de alguns princípios:

a)   Segurança jurídica (artigo 5º, caput, e inciso XXXVI).

b)   Dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III)

c)   Máxima efetividade (artigo 5º, § 1º)

d)   Estado Democrático e Social de Direito (artigo 1º)

“Efeito Cliquet” se refere à vedação do retrocesso. É expressão utilizada no alpinismo. Não se pode retroceder no que já foi alcançado.

1ª Teoria: Zagrebelsky. É uma posição radical. Não pode haver qualquer redução no grau de concretização alcançado por um direito social.

2ª Teoria: José Carlos Vieira de Andrade e Jorge Miranda. É mais flexível. A vedação de retrocesso consiste no impedimento de um retrocesso na medida em que este se revele arbitrário ou desarrazoado.

CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS (José Afonso da Silva)

Normas constitucionais de eficácia. São três classificações que o professor utiliza: de eficácia plena, contida e limitada.

1. DE EFICÁCIA PLENA

É aquela norma que tem uma aplicabilidade direta, imediata e integral. Para ser aplicada ao caso concreto, ela poderá ser aplicada pelo juiz independentemente de qualquer intermediação. Aplicação direta significa a desnecessidade de nenhuma outra vontade. Aplicabilidade imediata significa que aquela norma, quando entra no mundo jurídico, imediatamente ela começa a produzir efeitos. Não depende de nenhuma condição (ex: condição temporal) para ser aplicada ao caso concreto. Aplicabilidade integral significa que ela não pode sofrer restrição por um ato infraconstitucional, ou seja, o legislador não pode fazer uma lei restringindo o seu âmbito de aplicação.

Exemplos: artigo 53 da CF/88. Normas que estabelecem imunidades, vedações, prerrogativas geralmente são de eficácia plena. Artigo 19 da CF/88.

Obs: Não pode sofrer restrição, mas algumas delas poderão ser regulamentadas. Esta regulamentação poderá ser feita, ainda que seja dispensável.

2. DE EFICÁCIA CONTIDA

É aquela que terá aplicabilidade direta, imediata e possivelmente não integral. São chamadas de normas de eficácia REDUTÍVEL OU RESTRINGÍVEL (Michel Temer e Maria Helena Diniz). Aplicabilidade não é necessariamente contida. Poderá ser contida/restringida. Não dependem de outra vontade ou qualquer condição para ser aplicada. Todavia, é admitida uma restrição por lei ou ato infraconstitucional no seu âmbito de aplicação. Quando uma norma de eficácia contida não é restringida por lei, ela produz os mesmos efeitos de uma norma de eficácia plena.

Obs: As normas de eficácia contida ingressam no mundo jurídico produzindo integralmente os efeitos previstos por ela.

QUESTÃO: “A norma de eficácia contida enquanto não for regulamentada é de eficácia plena”. (ERRADA).

Ex.: Artigo 5º, XIII, da CF/88 (XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer).

3. DE EFICÁCIA LIMITADA

Terá aplicabilidade indireta ou mediata. Esta norma vai prever uma hipótese de incidência só que ela não pode ser aplicada diretamente ao caso concreto. Será necessária a intermediação de outra vontade, por exemplo uma lei, fazendo ligação entre a norma e o caso concreto. Caso contrário, não terá como ser aplicada.

Para o caso de não ser elaborado o ato intermediador, tem-se duas ações: Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção.

1ª Aspecto: A norma de eficácia limitada tem alguma eficácia. Mesmo que não haja essa vontade intermediadora, ela tem uma eficácia chamada eficácia negativa. Toda norma constitucional tem pelo menos uma eficácia negativa, ou seja, aptidão para invalidar os atos que lhe forem contrários.

Ex.: Art. 37, XII (VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica). Essa norma tem eficácia negativa. Se antes da CF existisse uma lei dizendo que o servidor publico não tem direito de greve. Nesse caso, a norma é inconstitucional, pois a norma constitucional tem eficácia negativa.

2º Aspecto: A norma de eficácia limitada só terá aptidão para ser aplicada aos casos nela previstos (eficácia positiva) se houver a intermediação de uma outra vontade.

As normas de eficácia limitada são divididas em normas de princípio institutivo e normas de princípio programático:

a) De princípio institutivo/organizativo: São aquelas que dependem de uma outra vontade para dar estrutura ou forma a pessoas jurídicas, órgãos ou instituições. Elas criam esses órgãos, mas dependem de ato infraconstitucional para dar forma e estrutura a eles.

Ex: Art. 102, § 1º (§ 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.). Só após o advento da Lei 9882/99, a ADPF pôde ser proposta.

b) De princípios programáticos: São aquela que estabelecem diretrizes ou programas de ação a serem implementados pelos Poderes Públicos.

Ex. 1: Art. 196 da CF/88 (Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação). Estabelece metas que os poderes públicos devem alcançar. Deverão através de políticas econômicas e sociais desenvolver esses programas.

Ex. 2: Art. 3º da CF/88:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Não há mais normas programáticas no sentido de estabelecer conselhos, avisos ou lições morais sem caráter vinculante (Canotilho). Tudo que está dentro da Constituição é vinculante, seja para os Poderes Públicos, seja para os particulares. São obrigatórias. Ainda se utiliza essa denominação, mesmo com essa ressalva. Ainda são chamadas assim pelo STF.

“As normas programáticas não podem se transformar em uma promessa constitucional inconsequente, sob pena de fraudar justas expectativas depositadas nos Poderes Públicos pela população” (Ministro Celso de Mello).

Maria Helena Diniz faz uma classificação muito semelhante, só que acrescenta uma espécie a mais, acima das normas de eficácia plena. São as normas de eficácia absoluta ou supereficazes. Tem a mesma aplicabilidade da norma de eficácia plena (aplicabilidade direta, imediata e integral). A diferença, segundo Maria Helena Diniz, é que as normas de eficácia absoluta não poderão ser restringidas por lei (=normas de eficácia plena), nem por emenda à Constituição.

Ex.: Cláusulas pétreas (Voto direto, secreto, universal e periódico).

Obs. final: Norma de eficácia exaurida ou esvaída – é aquela cuja eficácia já se exauriu por ter cumprido os efeitos para os quais ela foi criada. Ex.: Normas do ADCP, artigo 2º e artigo 3º. Não se aplicam mais.

Cedido pelo professor auxiliar Pablo Francesco

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